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Espírito de Porco

Espírito de Porco

Vila de Santa Clara
1799
O frei chegou a Vila na metade do ano o frio era intenso naquelas paragens aquele lugar era um buraco e Tobias de Aguiar o representante da igreja sabia para onde mandar representantes da Santa Sé que eram desgarrados do rebanho, Frei Santiago soube disso de uma forma ruim e o seu superior Tobias de Aguiar o puniu com uma espécie de exilio naquela distante vila, o frei era em geral um sacerdote de poucas palavras mas o vinho que guardava sempre embaixo do altar falava mais alto as vezes e por conta das suas bebedeiras nada sagradas ele acabava por se exceder nas palavras e atitudes então lá estava o frei Santiago assumindo a distante Igreja da vila.
O mês de julho era de intenso frio e o bom Deus sabia que ele precisava de um gole, esfregava a boca com veemência na ânsia do sagrado vinho:
- Tenho que me conter, senão serei excomungado!-
Então o Frei se instalou na casa da paróquia e começou seu trabalho sacerdotal numa bela manhã de domingo celebrando a primeira missa em Vila de Santa Clara lá ele começou a conhecer aqueles que seriam parte do seu rebanho e naquela missa foi a primeira vez que botou os olhos em João Pedro de Alcântara filho do principal representante da vila Bento de Alcântara e achou algo estranho no menino de apenas 10 anos.
Bento de Alcântara era o governante da vila cuidava de tudo e todos por ali era bem quisto e sua esposa Margarida e o filho João também mas o menino que aos olhos comuns parecia normal tinha algo que intrigou o Frei Santiago como se ele precisasse de ajuda e não quisesse falar, na hora em que a missa acabou o padre ficou observando todos se retirarem então o menino se aproximou:
- Padre, padre o senhor é novo por aqui? – O frei limpava as taças com as quais realizara a missa e sua boca estava seca por um gole, por Deus como estava, quando o menino se aproximou:
- Sim meu jovem recém chegado a essa paróquia !- Diga padre o senhor já enfrentou o demônio ?- Aquela pergunta vindo de uma criança arrepiou o frei da cabeça aos pés, o pai do menino veio busca-lo imediatamente puxando-o pela mão com força:
- Já lhe disse para não incomodar as pessoas com suas tolices! Perdão Frei pela inconveniência do meu filho!-
Então a partir daquele dia o padre começou a desconfiar de que havia algo muito estranho em Vila de Santa Clara.

Mais tarde naquela mesma noite o menino João começou a sentir aquelas coisas estranhas, calor mas não um calor febril e seus olhos lacrimejavam e ficaram vermelhos, começou a rolar na cama e quando seu pai foi verificar se ele estava bem agasalhado o menino estava sentado na cama com as feições completamente transformadas e girou a cabeça como uma coruja sem mover o pescoço uma única vez, o homem aterrorizado gritou.

Depois da missa estranha Frei Santiago se deitou mas o sono não veio e ele ficou matutando sobre o menino, um grito o acordou quando ele começou a cochilar:
- Mas o  que foi isso!?- Novamente sentiu que um golinho não faria mal, mas depois de alguns minutos ouviu baterem a porta rapidamente e pensou em quem seria assustado correu e atendeu era um homem que parecia aterrorizado:
- Frei o senhor tem que ir até a casa de Bento de Alcântara imediatamente ele mandou uma carruagem para transportar senhor!- Frei Santiago nem pensou duas vezes pegou sua Bíblia a boca seca e os olhos ainda úmidos de sono, mas sentiu que era algo muito importante.
No caminho um silêncio sepulcral, quando finalmente chegaram a residência no alto do morro o frei sentiu calafrios o vento que soprava no alto daquele morro parecia uivar feito um lobo demoníaco:
- Que lugar!- O que disse?- Mesmo falando para si mesmo ele falou alto e o empregado escutou:
- Nada deve ser só o barulho do vento; onde está o senhor Bento?-
-Entre padre!-
Bento de Alcântara estava no alto de uma escada pálido feito um cadáver dispensou o empregado com um gesto ele se foi e ele desceu a escada em passos tropegos, parecendo estar embriagado:
- Frei é  o meu filho querido não sei o que está acontecendo com ele, já tentamos de tudo ele tem um demônio nele venha veja por si mesmo se não acreditar!- A cena que o frei viu aquela noite não sairia dos seus pesadelos até o fim de sua vida, o corredor era mal iluminado a mansão fora construída muitos anos atrás pela Condessa lendária que diziam ser a fundadora da vila e que enlouquecera, uma das muitas histórias daquele lugar, Bento de Alcântara não acreditava que ali no alto daquele morro onde o vento uivava podiam existir fantasmas mas depois do que vira no quarto do seu filho duvidava de suas crenças:
- Veja padre!

Ao abrir a porta Frei Santiago sentiu um enorme calafrio ao ver o menino, os lençóis e a própria cama flutuando no ar como se fosse um vendaval:
- Por Deus do céu!
A cabeça do menino se virou e olhou fixamente para o padre:
- Seu Deus não é bem vindo aqui!
- Satanás abandone imediatamente o corpo desse menino!-
De repente o brilho maléfico e os olhos vermelhos da criança começaram a normalizar e ele disse:
- Frei me ajude estou preso!
- Como é seu nome espírito maligno e imundo que habita esse pobre inocente?- Os olhos voltaram a ganhar aquela  cor vermelha intensa e ele respondeu com uma voz que não era de criança:
- Legião porque somos muitos!- A resposta fez o frei novamente estremecer quando ele então ordenou que Bento abandonasse o quarto e fechasse  a porta:
- Que  o Senhor me proteja de todo o mal e me guie vou salvar esse menino!
A batalha durou pouco tempo mas ao Frei pareceram horas, ele se concentrou e orou tinha que chegar a alma do menino que estava presa por aqueles seres infernais, no seu estado meditativo ele estava em um campo, uma fazenda procurava algo, viu o pai que não aceitava que ele fosse padre, as tentações da carne e então andando por aquele lugar avistou o celeiro mas em vez de cavalos viu porcos, muitos porcos correndo confusos de olhos vermelhos semelhante ao menino, porcos aquele pensamento insistente lembrava algo então um dos animais olhou diretamente em seus olhos e disse:
- Lembra-te das escrituras!- A boca ainda estava seca, agora mais do que nunca e ao olhar para o lado viu um homem de capuz preto que lhe oferecia algo num copo, não um copo, uma garrafa de vinho:
- Mate sua sede Frei, beba da água que nunca acaba, é disso que você precisa!- O homem sorria e aquele sorriso apavorava mais do que tudo congelava até os ossos, seus cabelos eram crespos e espetados lembrando chifres e o odor que emanava dele era de um cadáver em decomposição que enojou o Frei Santiago, ele  conseguia somente olhar para o copo de vinho, sim matar a sede o que um gole poderia fazer de mal?
Sim o que um gole, depois outros e mais outro e de repente estava na paroquia de São Jerônimo espalhando segredos de confissão a todos passando vergonha e depois sendo olhado com desconfiança então olhou para o homem oferecendo a bebida e gritou – NÃO !!!
A criatura então assumiu sua verdadeira forma se transfigurando num monstro horrível meio anjo meio demônio com asas que lembravam ao frei um morcego gigante e olhos cor de fogo abriu a boca e de sua língua pulavam chamas com terrível cheiro de enxofre e carne estragada ele gritava:
- BEBA, BEBA SEU MALDITO GOLE!!!

Então o frei se lembrou dos porcos e abriu os olhos estava novamente no quarto e o menino girava a cabeça e fumaça saia do seu frágil corpo:
- Os porcos é isso a passagem bíblica!-
A criatura gritou, aliás uivou pareceu ao padre quando ele chamou por Bento de Alcântara:
- Chamaste padre?
Frei Santiago estava como se em êxtase pela revelação só havia uma saída:
- Vosmecê por acaso possui uma criação de porcos? – Não frei na verdade o único que possui uma criação de porco por aqui é Libório Assunção lá pras banda do mato dentro na divisa com Santa Sé!-
- Pois é pra lá que devemos levar o menino e antes do amanhecer!-
Bento de Alcântara ficou lívido pois a divisa com Santa Sé era um lugarejo perigoso diziam que era infestado de salteadores, mas se o Frei dizia que era a única salvação ele iria:
- Então o que estamos esperando?Décio!!- Sim patrão!- Prepara a carroça vamos fazer uma longa viagem até a divisa com vila de Santa Sé!- Mas patrão!- Sem mais a vida do pequeno depende disso!-
A esposa de Bento até aquele momento em choque foi até o corredor com os olhos arregalados:
- Acalme-se querida vamos salvar o menino!
Frei Santiago sabia que agora era a parte difícil:
- Teremos que fazer com que ele entre na carruagem nem que seja a força!
O menino esperneou quando se aproximaram dele, chutava mordia e xingava os olhos injetados estavam bem abertos tomado de pânico:
- Não cedam lembre que ele não e seu filho agora e só um monstro, o inimigo, o intruso!- As palavras do frei deram coragem e força ao pai eles amarraram o menino e conseguiram coloca-lo na carruagem, ele ia se torcendo como se estivesse convulsionando e tentou se jogar, mas com muito esforço conseguiram chegar.
A divisa com a vila de Santa Sé era quase deserta, quando Bento gritou que já divisava a propriedade de Liborio o menino uivou de dor e se jogou caindo da carruagem, Bento de Alcântara pulou e conseguiu evitar que ele batesse a cabeça em uma pedra:
- Vamos pare!
Frei Santiago correu para acudir os dois o menino tremia, ora exibindo o sorriso inocente ora a expressão do mal encarnado:
-Temos que ir já está na hora!
Com muita dificuldade arrastaram o menino para o chiqueiro e Frei Santiago leu a passagem bíblica em que Jesus expulsa os demônios de um homem em Cafarnaum:
- Você gostaria de se livrar dessa legião que o Atormenta? – O menino disse sim ainda estava lá-Então seja feita sua vontade que esses espíritos imundos vão para os porcos! Abra a porteira Bento de Alcântara!- Então os porcos sairam correndo feito loucos e se perderam na estrada o demônio foi para o corpo deles saindo do menino que nesse instante abriu os olhos e voltara a ser ele mesmo, sorrindo Frei Santiago o abraçou afetuosamente:
- Sim o senhor fez sua parte salvou a você e também a mim!- Então enlameados naquele chiqueiro ficaram os três, Bento de Alcântara, frei Santiago e o menino que tinha febre mas estava livre.

Frei Santiago foi embora depois do inverno, Bento de Alcântara vendeu a mansão e pediu para ser transferido indo para a capital, não se falou no assunto, o padre parou de beber definitivamente não tinha vontade alguma só de se lembrar daquele ser horrendo lhe oferecendo vinho tinha ânsia, Vila de Santa Clara cresceu, tornou-se comarca e cidade séculos depois tornando-se a cidade de Bonança mas aquele lugar onde tudo começou seria para sempre amaldiçoado.

Fim




Comentários

  1. Morro de medo desse tema!!! Filme exorcista? Nunca vi. Mas gostei,mesmo me tremendo.

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  2. Jesus Nazareno! Arrepiei todo agora! kkkkk.... Boa!!! Parabéns, amado!

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    1. Muito obrigado nunca escrevi algo assim acho que estava possuído kkk

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  3. Olá, tudo bem?

    Adorei a forma como você conduziu o conto e este terror que empregou em suas palavras, ficou realmente muito bom e capaz de passar tal sensação para o leitor. Já li um livro com uma ideia parecida, então seria bacana ver você transformar este conto em algo maior. Irei adorar ler!

    beijos!

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    Respostas
    1. Muito obrigado quem sabe? Tive essa idéia por causa de um sonho

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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